A discussão sobre o uso de símbolos nacionais e patriotismo no Futebol ganhou destaque com as declarações de Gary Neville. O ex-jogador e comentarista britânico abordou a forma como a bandeira inglesa tem sido utilizada, gerando debates acalorados e reações divididas.






Patriotismo e Futebol: Uma Relação Complexa
Neville criticou a instrumentalização da bandeira inglesa, sugerindo que o uso excessivo e agressivo do símbolo pode ser contraproducente e, em certo sentido, anti-inglês. Ele comparou a situação a um “Juramento de Lealdade Glorioso”, referenciando a obra “Catch-22” de Joseph Heller, onde a lealdade é demonstrada através de atos performáticos.
A polêmica se intensificou após uma manifestação da torcida no estádio de Wembley, que em vez de cânticos políticos, direcionou críticas a Gary Neville. Paralelamente, figuras públicas como Joey Barton, com grande audiência nas Redes Sociais, também se envolveram na discussão, por vezes com declarações controversas.
A Crítica ao Nacionalismo Exacerbado
O artigo original aponta que considerar uma bandeira como algo com significado fixo e inquestionável é um erro. A bandeira, por si só, é apenas um conjunto de cores e um símbolo de “pensamento de grupo”. Movimentos históricos importantes, como o dos direitos civis ou a queda do Muro de Berlim, não foram definidos por bandeiras específicas.
Para Gary Neville, brandir a bandeira como arma é “pouco inglês”. Ele defende uma visão de patriotismo mais contida e genuína, que não necessita de demonstrações ostensivas. A sua intervenção buscou ressaltar que a insistência no patriotismo inglês pode ser paradoxalmente anti-pátria.
Contradições e o Legado de Orwell
Neville, por vezes alvo de Críticas por aparentes contradições – como trabalhar para um órgão de comunicação do Estado do Qatar durante a Copa do Mundo, enquanto critica o país – buscou abordar a questão com sinceridade. O autor do artigo reconhece que o ex-jogador pode ter se contradito em alguns pontos, como ao não condenar atos de terrorismo islâmico e ao focar em “homens brancos de meia-idade irritados”.
Ainda assim, é elogiado por tocar em um ponto sensível, especialmente em sua cidade natal, e por não temer reações negativas. A discussão se estende à influência de políticos como Nigel Farage, que utiliza “medo e divisão” para angariar votos, em contraste com uma visão mais unificada e menos polarizada.
O Esporte e a Nacionalização
O texto argumenta que a questão da bandeira e do patriotismo tem profunda conexão com o esporte, que tem se tornado “agressivamente adornado com bandeiras e militarizado”. Até mesmo entrevistas com atletas considerados “suaves”, como Chris Woakes, foram encerradas com frases como “Obrigado pelo seu serviço”, como se fossem militares em combate.
A reação à mensagem de Neville, incluindo um banner de “Traidores Escória” fora do Old Trafford e críticas online por não cantar o hino nacional, demonstra a sensibilidade do tema. O autor cita George Orwell e sua obra “O Leão e o Unicórnio”, onde o autor defende que a falta de exibicionismo patriótico é uma característica da resiliência inglesa. Orwell via o patriotismo popular como algo “não vocal ou mesmo consciente”, e a Inglaterra como uma “mistura estranha de realidade e ilusão”.
Vigilância e o Futuro do Patriotismo
Orwell também criticava o esporte pela “instrumentalização do nacionalismo”. O artigo ecoa essa visão, lembrando que o Futebol Inglês não tinha tradição de bandeiras até os anos 1980, quando passaram a ser usadas com slogans de grupos extremistas. Atualmente, a ligação entre eventos esportivos e conflitos globais reforça a visão de Orwell sobre o esporte como “guerra mais tiro”.
Apesar de Neville buscar uma ideia mais sutil de patriotismo, o texto conclui que ele pode estar “fora de época”. A “política do grito” e a “vida algorítmica” podem ter superado a capacidade de um patriotismo inglês mais reservado. No entanto, a esperança reside na vigilância e na capacidade de mudança, como demonstra a capacidade de a Inglaterra “ser fiel a si mesma”.
A conclusão remete novamente a “Catch-22”, onde a absurdidade dos juramentos de lealdade termina quando uma figura de autoridade simplesmente ordena que todos comam. Assim, o autor sugere que, embora Gary Neville não seja um George Orwell, ele representa um tipo de patriota “muito inglês”, mesmo com suas contradições.
Fonte: The Guardian